JORGE DE LIMA
Inventor e reinventor de sonhos
Uma carreira literária que partiu de elogiados versos alexandrinos, absolutamente parnasianos, até chegar a um épico intimista tão hermético, que é dissecado até hoje – não sem antes passar por poemas modernistas, que exaltavam a linguagem popular e a cultura negra. Isto poderia resumir o alagoano Jorge Matheos de Lima, mas nada é assim tão simples. Nascido em 23 de abril de 1895, em União dos Palmares, talvez não por acaso a terra que ouviu o grito de liberdade do líder negro Zumbi, Jorge de Lima era filho de abolicionistas.
Em sua vida, as letras tiveram um papel fundamental, mas não único. O escritor foi também médico, professor de higiene escolar e história natural, e político – atividade pela qual sofreu algumas perseguições e até mesmo um atentado, em 1930. Também chegou a cogitar se tornar padre, do que desistiu para estudar Medicina, em Salvador, em 1911. Acabou por concluir o curso no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1914. O catolicismo sempre estaria presente, na vida e nos poemas de Jorge de Lima.
A viagem literária desse alagoano começou com a publicação, bem recebida, de seus “XIV Alexandrinos”, volume lançado em 1914. Entre eles, o poema “O acendedor de lampiões” se destaca e faz o autor conhecido nas rodas literárias da época, dominadas por poetas parnasianos como Olavo Bilac e Alberto de Oliveira. Mesmo assim, volta a Alagoas, onde se torna professor. Em Maceió, envolve-se com política e é eleito deputado estadual, pelo Partido Republicano.
Os ecos da Semana de Arte Moderna mexeram, também, com Jorge de Lima. Em 1927 lança “Poemas”, mas é em 1928, com o lançamento de “Essa Nega Fulô”, que adere de forma mais clara ao Modernismo. O autor se aproxima da linguagem popular, dá voz a histórias e sentimentos dos negros escravizados até poucas décadas antes, em uma abordagem que não chegou a ganhar proeminência nem mesmo entre os modernistas paulistas.
Depois de retornar ao Rio de Janeiro, perseguido em seu estado, Jorge de Lima muda os rumos de sua poesia e de sua vida: integra um movimento de escritores católicos, capitaneado por Murilo Mendes, seu amigo e revisor de vários livros, e abre uma nova vereda com “Túnica Inconsútil” (1938). Ele lança outros volumes de poesia e envereda pelo romance, conto, ensaio e biografia. É eleito vereador no Rio de Janeiro, em 1948.
A obra fundamental dessa fase, e talvez de toda a poesia de Jorge de Lima, é “Invenção de Orfeu” (1952), um poema épico incomparável. Ao invés de abordar feitos heroicos e históricos, bravuras míticas e batalhas, o poema, com seus dez cantos e uma profusão de referências, fala da alma humana, do que há de íntimo diante do que há de exterior. O título foi escolhido em uma lista de três sugeridos por Jorge de Lima, pelo poeta Murilo Mendes – para quem o poema era um “desmesurado monumento erguido pela fantasia e liberdade de um arquiteto-poeta”.
Um ano depois de lançar “Invenção de Orfeu”, Jorge de Lima morre a 15 de novembro de 1953, no Rio de Janeiro.
(Parte da coletânea
HISTÓRIAS DE POETAS, de William Mendonça. Direitos reservados.)