ANA C.
O brilho interrompido
Ana Cristina da Cruz César, ou simplesmente Ana C., uma das principais integrantes da chamada “poesia marginal” dos anos 70, foi marcada pela precocidade e pela interrupção trágica de sua trajetória. A poeta trouxe uma nova visão para o feminino na poesia brasileira. Nascida em 2 de junho de 1952, no Rio de Janeiro, Ana C. teve seus primeiros poemas publicados aos sete anos. Antes ainda já ditava seus versos para a mãe, Maria Luiza.
Precoce, dirigiu um jornal escolar no Colégio Bennett, um dos mais tradicionais do Rio, dos nove aos onze anos. Alguns de seus poemas datados dos primeiros anos, entre 1963 e 1967, publicados no livro póstumo “Inéditos e Dispersos”, surpreendem pela qualidade e profundidade. Muito cedo, Ana C. recebeu o respaldo de gente como Drummond e Manoel Bandeira. No entanto, sua produção poética veio a público no final dos anos 70, com livrinhos mimeografados, impressos artesanalmente – e até o início da década de 80, ela sempre publicou por conta própria.
Pode-se dizer que Ana C. foi “redescoberta”, ou revelada, por Heloísa Buarque de Holanda, na coletânea “26 poetas hoje”, de 1976, um marco para sua geração. Paralelamente, desenvolvia trabalho jornalístico, de tradução e crítica literária, pelo qual também obteve reconhecimento. O conhecimento teórico de Ana C., que era licenciada em Letras (Português-Literatura), mestre em Comunicação e tradutora respeitada, não representou amarras à sua poesia. Pelo contrário, esta permaneceu original, telegrafada, com ares de diário íntimo.
Neste período, surge sua colaboração com Armando Freitas Filho – que se tornou o curador da obra de Ana C. – e outros poetas, como Cacaso e Afonso Henriques Neto. Trabalhou para o Jornal do Brasil, TV Globo, jornal Opinião, Correio Braziliense, Folha de S. Paulo, entre outros. Seguia a carreira como jornalista e editora, ao mesmo tempo que lecionava. Traduziu poetas altamente originais, como Emily Dickinson, Dylan Thomas e Sylvia Plath.
Viajar foi um hábito que de Ana C. que teve reflexos em sua poesia. Desde a primeira viagem ao exterior, para o Uruguai, ainda na infância, a escritora passou por vários países e muitos de seus textos são versões de diários de viagem. Ao longo da vida, passou por países sul-americanos. Entre 1969 e 1970, participou de um intercâmbio e estudou um ano em Londres, além de passar por Estados Unidos e países da Europa. Uma década mais tarde, volta à Inglaterra, através de uma bolsa concedida pelo Rotary, e recebe o título de Master of Arts em Theory and Practice of Literary Translation, pela Universidade de Essex.
Em 1983, Ana C. estava no auge de sua carreira. Lançara, no ano anterior, o livro “A teus pés”, que reuniu toda a sua produção publicada anteriormente (os livros “Cenas de abril” – 1979, “Correspondência completa” – 1979, e “Luvas de pelica” - 1980) e alguns inéditos, agora em um único volume e por uma grande editora, a Brasiliense. No dia 29 de outubro, porém, Ana C. jogou-se do sétimo andar do prédio em que morava, em Copacabana, no Rio de Janeiro, interrompendo a carreira fugaz e a vida aos 31 anos de idade.
(Parte da coletânea HISTÓRIAS DE POETAS, de William Mendonça. Direitos reservados.)