William Mendonça
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PEDRO, O ASTRÓLOGO


Em meio ao caos em que vivemos, pra que excomungar 
os astrólogos, que só tentam entender essa bagunça?

 

   Ele acordou e, como de costume, pegou o jornal debaixo da porta, refastelou-se no sofá e começou a ler. Sabia que sua ordem de procedimentos ao acordar não era das mais comuns. Antes mesmo de tomar o café ou de escovar os dentes, ele sempre pegava o seu jornal - o mesmo que assinava há mais de duas décadas - e lia. E sempre na mesma ordem, passando pelas mesmas seções e colunas, afinal era um homem solitário e fazia o que queria dentro do seu lar, doce e solitário lar.
   Mas, naquele dia, algo ocorreu fora do esperado. Na página 9, num canto, uma notícia o deixou particularmente alarmado. Descobriu que estava em vias de excomungado, já que a Igreja Católica o considerava um pecador de primeira classe. De repente, o apartamento pareceu pequeno para tanta indignação. Andou de um lado para o outro, quase varando a janela do 15º andar.
   - Excomungado, eu!? - repetia para si mesmo, em voz alta, como se tentasse entender o que se passava na cabeça dos teólogos.
   Voltou a ler a notícia. Era verdade.
   Não era um motivo lá muito relevante que, de acordo com as novas leis da Igreja, iria levá-lo ao fogo do inferno. Nunca roubara ou matara ninguém, nunca havia traído a esposa - afinal, não era casado. Tudo bem, fizera sexto antes do casamento, mas, que droga!, já tinha mais de 40 anos e isso era até razoável.
   O seu pecado, no entanto, para a Igreja tinha se tornado maior ou igual a esses todos - Pedro era astrólogo! E pior, não estava disposto a parar de estudar aquela ciência que causava tanto furor no Vaticano e havia deixado o Papa "de cabelo em pé".
   Começou a analisar os pesos e as medidas do Novo Catecismo. Poxa, a pena de morte e a guerra não eram mais pecados. Era permitido matar para defender as leis ou a Pátria (como se matar - que está lá como algo contra Deus nos 10 mandamentos - pudesse ter justificativa). Enquadrado na categoria de “falso profeta”, Pedro nem tinha como se defender.
   - Que maravilha!, pensou, Vou largar a Astrologia e criar um esquadrão de mercenários ou coisa parecida. Quem sabe assim vou para o céu!
   Esqueceu-se de que estava só de cuecas e saiu pelo corredor do 15º, pegou o elevador e foi falar com Márcia, sua namorada, no 3º andar. Cruzou com uma senhora no corredor, que fingiu ignorar a presença do homem seminu - coisa tão normal hoje em dia.
   Quando Márcia abriu a porta, não conteve uma divertida risada diante daquele quadro ridículo.
   - O que houve, Pedro? Te roubaram as calças?
   - Me deixe entrar. Vou se excomungado!
   Ela pensou que fosse brincadeira, mas ele explicou que não. Era verdade, mesmo parecendo um absurdo. Visivelmente perturbado, Pedro continuava andando de um lado para o outro e, de vez em quando, falava, deprimido.- Não é possível!
   - Pô, Márcia, como é que eu vou explicar para a minha família que carimbei meu passaporte para o inferno porque sou astrólogo? Nesse caos em que a gente vive, pra que excomungar os astrólogos, que só tentam entender essa bagunça? Minha mãe vai ter um enfarte!
   A namorada não sabia o que dizer. Falou a primeira coisa que lhe ocorreu.
   - Ué, Pedro, a Igreja é deles. Não é você quem decide. Por que você não escreve uma carta para o Papa e mostra o seu ponto de vista?
   - Já sei: digo para ele que sou gente de bem e que tudo isso é burrice... Não dá, né, Márcia!

 


   Passadas algumas horas, Pedro finalmente tinha se acalmado. Depois de dois drinques, achou até que a excomunhão não era algo tão importante. Afinal, quem sabe daqui a 500 anos a Igreja reconheça o erro e aceite que as estrelas também são obras de Deus.
   - Capaz até de me perdoarem, quando eu já estiver morto.
   Márcia, essa altura, já estava interessada em outra coisa.
   - É, Pedro... Mas é bom aproveitar enquanto estamos vivos para cometer um pecado muito mais gostoso: a fornicação... Afinal, ninguém é excomungado por isso. Ou é?

 

(Publicada, originalmente, no jornal O ITABORAHYENSE, caderno CULT, página 2, em 13/12/1994. Fiz duas ou três mudanças, especialmente o subtítulo e o “Ou é?” no final.)

William Mendonça
Enviado por William Mendonça em 11/12/2023
Alterado em 11/12/2023
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