William Mendonça
POESIA, PROSA, MÚSICA E TEATRO
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A ÚLTIMA PÁGINA (ou A Profecia Autorrealizável)

 

Antes de acabarem todas as folhas de papel,

foram extintas todas as folhas de árvores,

com seus exuberantes tons de verde,

incontáveis.

Assim como estão mortas,

para a eternidade,

todas as árvores,

que em algum tempo esquecido

se abraçavam em florestas e bosques e quintais.

 

Nesta, que é a última página,

devo relatar o horror de viver o tempo

e ser parte da civilização que cometeu esse crime,

contra si mesma e contra o mundo em que vivia.

Dizer desta dor insana por viver este mesmo tempo

e ser conivente.

E ser hipócrita.

E ser aquele que permanece para contar os mortos.

 

Antes das árvores,

morreram as geleiras,

transformadas em mares tão violentos,

que mataram cidades.

O extremo calor fez a comida

cada vez mais escassa.

O ar que não se podia respirar,

tomado pela fumaça e gases tóxicos

que pareciam resistir a qualquer coisa,

fez do planeta o túmulo de tudo.

 

Corpos doentes ainda perambulam feito moscas,

resistindo apenas por teimosia,

relutando acreditar que, sim,

a humanidade teria gerado seu próprio fim.

Mas até esses, 

espectros derradeiros,

terão passado

– serão passado em pouco tempo.

 

O meu relato se segue a contratos,

acordos, estudos e tratados que,

por insuficiência, inação ou má fé,

jamais foram cumpridos

e que pouco fizeram para adiar o fim.

 

Agora que a última página se encerra,

sei que depois deste relato não haverá outro.

 

Chegou tão tarde, que nada pôde fazer.

 

(Parte do livro "Paisagem do Caos", em produção)

William Mendonça
Enviado por William Mendonça em 23/10/2023
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