William Mendonça
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Textos
CHICO MENDES: um herói e seu tempo

   Marco meu tempo de trabalho na imprensa pelos anos que se passaram da morte de Chico Mendes. Pode parecer mórbido, mas não é – de fato, é uma homenagem.
   No final de novembro de 1988, entrei como estagiário no jornal A TRIBUNA, de Niterói, sob a batuta do editor Mário Sousa. Eu era um bom aluno na faculdade, redação era minha melhor matéria, mas nada prepara um jovem para o jornalismo – a não ser mergulhar no dia-a-dia de um jornal.
   Pouco me lembro do meu primeiro mês, a não ser o fato de não conseguir cumprir a minha primeira pauta – algo sobre problemas com a Cedae (certas coisas nunca mudam). Depois de um dia às voltas com o tema, sem conseguir uma posição oficial da Cedae, Mário Sousa me deu uma lição que, bem atento, aprendi e repassei para os vários estagiários que formei nesses anos: “Se não quiserem falar com você, escreva sobre isso. A matéria está aí”.
   Mas o primeiro texto sobre um fato que me chocou pessoalmente foi, exatamente, a matéria sobre a morte do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado a mando de fazendeiros, em Xapuri, no Acre, em 22 de dezembro de 1988. Ele tinha, àquela época, a mesma idade que eu tenho hoje – 44 anos.
   Jovem e com a visão política sempre mais à esquerda, eu já era atento ao trabalho de Chico Mendes fazia naquela região de conflito na Amazônia. Quem se interessava por ecologia naquela época, certamente, tinha Chico Mendes como uma espécie de herói. Por isso, a sua morte causou muito impacto, não apenas no Brasil.
   Hoje, 25 anos depois, lembrar de Chico Mendes é, também, lembrar do amálgama de ideias que estava me construindo como cidadão naqueles dias, lembrar dos primeiros dias no jornalismo, avaliando a coerência que ainda enxergo em meu trabalho, mesmo depois de tantas idas e vindas.
   Constato que, diferente do que o poeta Cazuza dizia em sua canção “Ideologia”, nem todos os meus heróis morreram de overdose. Chico Mendes – como tantos outros defensores da mata, do fazer tradicional extrativista, da organização dos trabalhadores, batalhadores que enfrentam o poder econômico, político e até paramilitar de fazendeiros e grileiros naquelas terras tão à parte da Lei – foi um herói morto pelas balas, numa emboscada, no quintal de sua casa, sem condição de se defender.
   A questão é que, diferente do que pensam aqueles que criam mártires, com suas ações de violência, a memória mantém vivos os heróis. Eles viram marcos para a história, para a vida de quem foi contemporâneo aos atos de exceção e arbitrariedade que tentaram calar o seu exemplo.  Não é à toa que Chico Mendes foi elevado pelo Congresso Nacional à categoria de patrono do meio ambiente no Brasil – homenagem justa, que fará seu nome ser lembrado por outras gerações.
   Chico Mendes, 25 anos depois, está vivo – e o seu legado deu legitimidade para que a esquerda chegasse ao poder, para que uma outra líder dos seringueiros chegasse ao Ministério do Meio Ambiente e concorresse à presidência da República, para que o ritmo do desmatamento na Amazônia diminua ano a ano.
   É claro que muita gente, muitos partidos políticos e o próprio governo, como instituição, se aproveitaram no nome Chico Mendes. Mas, tenho pelo líder seringueiro morto há 25 anos, a mesma admiração juvenil que tinha no meu primeiro mês como jornalista. Tenho a sensação de que, usando um clichê bem apropriado para o tema, a morte de Chico Mendes não foi em vão, porque a coragem inspira.
 
Publicado no JORNAL ITABORAÍ de 18/12/2013
William Mendonça
Enviado por William Mendonça em 19/12/2013
Alterado em 17/05/2021
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