William Mendonça
POESIA, PROSA, MÚSICA E TEATRO
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Textos
DIRETO DO TÚNEL DO TEMPO
 
As redes sociais e os amigos 
que não víamos há décadas
 
   Todo mundo que tem mais de 40 anos e, por gosto ou não, está inserido em uma ou mais redes sociais na Internet já passou por isso – de repente, aquele ex-colega de colégio da 4ª série ou aquele “melhor amigo para a vida toda” que você não vê há mais de 20 anos, te encontra e, inevitável, te adiciona. Em um click, sua vida passa veloz pela memória, tentando recriar o ambiente em que você e aquele amigo perdido se conheciam, até porque agora, tanto tempo depois, vocês já não se conhecem mais.
   Para quem se liga em ficção científica, isso é quase um paradoxo temporal, como se você e você mesmo lá dos anos 80 se esbarrassem em uma curva da estrada. Seus amigos de ontem são o verdadeiro túnel do tempo e trazem à tona lembranças que você tem que administrar agora, muitas vezes sem qualquer preparação. Ou, recíproca verdadeira, você é aquele amigo que procura os velhos conhecidos na rede e vibra a cada encontro – “Caramba, fulano já tá de cabelo branco!”.
   A essa altura da tecnologia, é possível encontrar praticamente qualquer pessoa navegando pelos facebooks ou orkuts da vida. Um pouco de paciência, mais a velha técnica de procurar nos perfis dos “amigos dos amigos”, e pronto: lá está aquela namoradinha da adolescência, hoje casada pela terceira vez, morando em Nova Iorque ou em Sidney. Tudo colide nessas redes, e é por isso que elas fazem tanto sucesso, ao mesmo tempo que assustam.
   Assustam porque todo mundo, também, já passou por isso: você se empolga por ter descoberto uma pessoa legal da sua infância, adolescência, do colégio ou mesmo mais recente, tipo um ex-colega do trabalho, e resolve mandar um convite, mas o cara não te adiciona. Você tem certeza de que, por trás daquelas rugas, da barriga desproporcional ou dos cabelos brancos, ainda está lá a pessoa que você conheceu, mas ela não quer mais saber de você.
   A rejeição eletrônica pode acabar com a auto-estima de quem leva as redes sociais muito a sério. Quando o passado bate à sua porta, nem sempre a sensação é de alegria – um velho amigo pode te lembrar do cara esquisito, quatro-olhos, cdf, vítima constante de bullying que você era (no tempo em que ninguém sabia o que é isso). Pode te lembrar do potencial de sucesso que, muitas vezes, você deixou pelo caminho, fazendo escolhas erradas na carreira e na vida.
   Um amigo do passado pode te encher de inveja, nublar a mente com os pensamentos de quem de repente se vê de novo nos “bancos escolares” tentando tirar as melhores notas. Pode lembrar aquela banda de música que não deu certo, o futebol que você jogava todo dia, o lanche com mirabel, crush e grapete na porta do colégio, a professora que não ia com a sua cara, a menina mais bonita da sala, que nunca olhava pra você, etc. Ou pode te encher de orgulho quando sabe que o amigo jogou na seleção brasileira, ou é ceo de uma multinacional, ou é o médico mais bem pago do Rio. É questão de escolha.
   Ninguém entra ou sai imune do túnel do tempo, porque é lá que passado e futuro se encontram nessa coisa tão rápida chamada presente. Tudo tão rápido, tão perecível. Quando as redes sociais surgiram, dizia-se que ninguém mais ficaria sozinho, que as amizades seriam reatadas e os novos amigos surgiriam a cada dia. Dizia-se que ninguém mais estaria sozinho, mas a solidão só cresce no mundo – por solidão leia-se o individualismo, a ganância, a intolerância, a inveja, o desamor.
   O fato é que encontrar virtualmente uma pessoa não é a mesma coisa que encontrá-la fisicamente, assim como uma viagem ao passado não faz você voltar a ser o que era anos atrás, assim como ninguém fará livros do tipo “Fulano de Tal: correspondência completa” reunindo os e-mails que Fulano de Tal mandou, já que as cartas, queiram ou não os mais modernos, tinham verdadeira permanência. Nas redes sociais, somos os avatares de nós mesmos, espectros virtuais do que somos de verdade e, nesses casos como na vida, quem vê cara não vê coração.
   Mas, otimista que sou, mesmo que sempre me afirme pessimista para não parecer patético, acredito que reencontrar alguém do passado modifica o futuro, cria novas possibilidades, abre caminhos que você antes não tinha percebido. E, por fazer com que você se confronte com o “você mesmo” do passado, seu velho amigo que apareceu de repente com o convite em uma rede social merece sempre ser adicionado – e receber de volta um “muito obrigado!”. 
 
 
(Direitos reservados.)
William Mendonça
Enviado por William Mendonça em 01/08/2011
Alterado em 17/05/2021
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