CONSCIENTIZAR SOBRE A AIDS
Será que adianta falar sobre
a AIDS nos dias de hoje?
A iniciativa já provou ter dado certo: há quase duas décadas, Itaboraí, município da Região Metropolitana do Rio, promove um evento que reúne artistas da música pop nacional, e artistas locais, para conscientizar os jovens a respeito da epidemia de AIDS. O evento, sempre no dia 1º de dezembro, surgiu como um trabalho de voluntários da cidade – capitaneados pelo produtor cultural Sérgio Espírito Santo – e conta hoje com o apoio de instituições como a UNAIDS (da ONU), MTV, Sociedade Viva Cazuza e Prefeitura local.
O alvo do projeto é o público jovem – entre 14 e 25 anos – mas, a cada ano, cresce a presença de pessoas de outras faixas etárias. O objetivo é levar mensagens de conscientização a respeito da AIDS, das formas de contágio e de prevenção, das novidades em termos de tratamento, além de ser um libelo contra o preconceito. Para quem participa todos os anos, como eu, o evento acabou se transformando em uma missão.
Cada um tem sua própria motivação. Sérgio Espírito Santo, que toca o projeto desde o início, viu seus tios morrerem pelo HIV e teve os primos adotados pela incansável Lucinha Araújo, mãe de Cazuza. Sentiu que precisava fazer algo para que outras pessoas não caíssem na armadilha da AIDS que, em geral, só atinge a quem não se previne. “Esse é o tipo de evento que a gente espera não precisar fazer mais. Basta que se anuncie a cura da AIDS e a gente terá cumprido a missão”, ele explica.
A grande incidência da AIDS entre os jovens, especialmente em bairros pobres e da periferia, é um dos flagelos da epidemia que são denunciados no evento. Da mesma forma, o fato de que as últimas gerações perderam vários ídolos em virtude da AIDS (os cantores Cazuza, Renato Russo e Freddie Mercury, atores como Lauro Corona, Anthony Perkins, Rock Hudson, o bailarino Rudolph Nuereyev, o cartunista Henfil, e tantos outros), é uma das tristes realidades motivam a realização do projeto.
As estatísticas mostram que, especialmente entre os jovens, a mensagem do “use camisinha” já surtiu o primeiro efeito: a informação. Praticamente todo mundo entre os 14 e 25 anos de idade já ouviu, leu ou esbarrou com o tema. O problema é que nem sempre informação anda junto com a prática. A pessoa sabe que, parafraseando o poeta, “usar camisinha é preciso”, mas se arrisca, por imprudência ou até mesmo por diversão, numa espécie de roleta russa da vida sexual.
Entre os mais velhos ainda persiste uma certa resistência ao uso da camisinha, por diversos fatores: muita gente acredita que a camisinha atrapalha o sexo, muitas pessoas vão na onda do parceiro, com medo do preconceito ou por submissão, e não impõem a camisinha como condição para o sexo, e há, claro, a absoluta promiscuidade, gente que faz sexo sem qualquer proteção de caso pensado. A diversidade de pensamento é coisa humana, e nisso pode-se incluir todo tipo de fundamentalismo, inclusive o sexual.
É claro que o quadro em relação à AIDS em duas décadas mudou bastante. Hoje, há muita gente vivendo com o HIV em condições dignas e razoáveis, pois os medicamentos são mais eficientes e causam menos efeitos colaterais. Lembro que Renato Russo disse, certa vez, que tomar o coquetel anti-AIDS era como “comer um cachorro vivo, que depois come você por dentro”, o que parece ser bem mais violento do que o que acontece hoje. O acesso aos remédios também é muito mais fácil atualmente. Mas uma coisa ainda é fato: a AIDS mata e não tem cura, ainda.
Falei antes sobre motivação – sobre o que leva cada voluntário a participar de um evento como esses. Eu, que já vi vários ídolos morrerem em razão da doença, que vi um amigo ator morrer num isolamento auto-imposto com vinte e poucos anos de idade, mas que conheço vários HIV soropositivos que estão vivendo sua batalha diária mantendo a força e a esperança, desenvolvendo novos projetos, me motivo com a possibilidade de salvar alguém, uma pessoa que seja, chamar a atenção de quem estaria se arriscando, ou mesmo confortar e ajudar alguém que se descobriu soropositivo e não sabe que rumo tomar. Salvar uma vida vale qualquer esforço.
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