O CELULAR ENQUANTO RÁDIO DE PILHA
Ou sobre como importunar as pessoas
Com um aparelho tão pequenininho
Sou do tempo do telefone fixo. Cheguei a ver, e usar, um telefone daquele tipo preto, grande, com cara de coisa pré-histórica, que ficava pendurado numa parede. Também sou do tempo do radinho de pilha – o aparelho que popularizou a era dos transistores, muito antes dos micro-chips e da nanotecnologia. Com ele, ouvia música e notícias em todo o lugar, sempre tomando o cuidado de não incomodar ninguém nos locais públicos. Já naquela época (lá pelos anos 70) havia o famoso “egoísta”, uma espécie de fone de ouvido para uma orelha.
São coisas de um passado que parece remoto como as pirâmides do Egito ou “Édipo Rei”, de Sófocles, mas que está logo ali, na curva mais próxima do tempo. Vi outras coisas mirabolantes na minha vida, mas nenhuma que impressionasse tanto quanto o telefone celular – este sim, uma invenção do “lado negro da força”.
Imagino que deva ter surgido na CIA, ou em alguma entidade do submundo, que tencionava transformar em realidade o tal “big brother” de George Orwell. Na teoria, quem tem um celular nunca está sozinho, pode ser encontrado em qualquer lugar, a qualquer hora, portanto, pode ser controlado. Na teoria.
A questão primordial é que o celular faz exatamente o contrário daquilo para que foi criado. Sempre que você procura alguém, ligando para o maldito aparelhinho, não encontra. É “caixa postal”, “desligado ou fora de área”, ocupado e outras torturas psicológicas.
E, pior que isso, quando alguém com que você quer falar o procura, também não encontra. As únicas ligações que você recebe são de serviços de telemarketing, cobradores, gente pedindo favores, seqüestradores fajutos, em suma, toda aquela escória de que você quer se ver livre e não consegue.
Os celulares não são regidos pelas leis de mercado ou pelo Código de Defesa do Consumidor, mas pela Lei de Murphy – se há alguma chance de algo dar errado, pode ter certeza, vai dar.
Você pode estar se perguntando: “Se esse cara ia falar sobre o celular, porque falar do telefone antigo e do rádio de pilha?” Pois é, esta é outra questão que tem me assombrado, desde que os japoneses e finlandeses conseguiram unir o telefone ao radinho de pilha. Não entendeu? Eu explico.
Nos dias de hoje, não se passa uma semana sem que eu viaje em um ônibus lotado com algum idiota que se acha o máximo exibindo o seu celular-radinho. Ontem, foi um funk, aporrinhando todos os passageiros. Mas já aturei pagode, forró, sertanejo, etc. Estranhamente, nunca esbarrei com alguém que ouvisse clássicos, jazz ou mesmo rock – será sinal de que bom gosto combina com boa educação, ou questão de destino mesmo?
Os portadores dessas armas de efeito moral ignoram a legislação – afinal, é proibido utilizar aparelhos sonoros em ônibus. Diga-se de passagem, a lei foi criada por conta dos maus usos do antigo rádio de pilha, mas numa época em que as pessoas, por medo ou educação, ainda respeitavam as leis.
Sinceramente, o impulso que tenho, sempre que isso acontece, é descer do ônibus no ponto seguinte. Não o faço porque seria derrotado pela estupidez alheia. Não posso ser obrigado a ouvir o que não gosto, só porque alguém resolve impor o seu (mau) gosto a todos que estão à sua volta. Para isso houve o advento do fone de ouvido – cada um com seu próprio barulho, assim devia seguir o mundo.
Se a lei valesse alguma coisa, o proprietário do celular-radinho-máquina de tortura deveria desligar o aparelho ou descer do ônibus, mas não é assim que as coisas funcionam no Brasil de hoje. Quem faz esse tipo de coisa age como um psicopata, um serial killer, como aqueles franco-atiradores americanos que aparecem todo mês na TV – atiram em todo mundo pra chamar a atenção. É um misto de exibicionismo e desrespeito pelo semelhante. Simplesmente lamentável, para dizer o mínimo.
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