William Mendonça
POESIA, PROSA, MÚSICA E TEATRO
Capa Meu Diário Textos Áudios E-books Fotos Perfil Prêmios Livro de Visitas Contato Links
Meu Diário
05/04/2025 12h00
UM DIA, HÁ QUARENTA ANOS

Não sei o que guardei de memória ou que construí, para uma futura mitificação, como fazemos todos com determinados fatos, porém, registrado está que há exatos quarenta anos, em 05 de abril de 1985, eu escrevi meu primeiro soneto e, de forma consciente, dei início à minha carreira de escritor com a inseparável Poesia - esta que me traz pelas mãos até hoje. Naquele dia (fato ou mito?) resolvi começar um livro de sonetos, inspirado por mestres que estavam povoando minha mente, especialmente Olavo Bilac. Sim, eu também já quis ser parnasiano - e que bom que desisti.

A viagem seguiu. Em poucos meses, imbuído de alguma autoconfiança nunca mais repetida, me inscrevi no Concurso de Poesia da CEIA, a Comunidade Estudantil do Instituto Abel, onde eu estudava. O 2º lugar, com o soneto "Crepúsculo de um Sonho", lugar mostrou que havia algum potencial ali, mas que autoconfiança não era tudo. Lembro do dia (fato ou mito?) em que Aníbal Bragança, o proprietário da Livraria Guttemberg, me recebeu para me conceder o prêmio pelo segundo lugar no concurso: livros. Bom aquele tempo em que um livreiro apoiava novos escritores - um tempo em que livreiros não eram uma espécie em extinção. O bom Aníbal faleceu em fevereiro de 2022.

No final daquele ano de 1985, minha mãe, a inesquecível Dona Elza, fez aquele esforço supremo de reunir trocados, ou abrir um crediário (nunca me disse) e comprar um presente para o meu aniversário. Por alguns anos eu pedia um violão. Realmente, a julgar pelos preços de hoje, foi uma façanha que ela, que ganhava apenas um salário mínimo e nunca teve condições de acumular um centavo, criando sozinha um filho, tenha comprado aquele violão - que chegou com um aviso: "É pra aprender a tocar mesmo, hein, menino! Não posso jogar dinheiro fora!". Mãe mineira é outra coisa. Não levou muito tempo para que tocasse para ela a sua música preferida dos Beatles: "Michelle". Sou beatlemaníaco de berço.

Aprendi o suficiente para compor, musicando meus poemas, me reunir numa banda com pessoas especiais, como a cantora Virgínia Gomes, por vezes chamada pela turma de Nina Brown (segredo agora revelado para a eternidade) e hoje Nina Gomes - que, viagem que segue, um dia se tornaria minha namorada e esposa, mãe de nossos filhos, amor de uma vida inteira. E também meu amigo Ricardo Mann, parceiro musical eterno, padrinho de casamento, anfitrião daquele Carametade (que não tocava pagode e veio antes do quase homônimo paulista). E Marcello Pires. E Flávio Wilner. E Hugo Moreira. E Márcia Miranda. E os amigos / roadies / convivas, que não estavam na banda, mas era como se estivessem - Márcio Peixoto, Daniel Escocard, Márcia Regina, Guilherme Cabelo, George Maxi (na época Jorge Zeppelin), Margarida Moutinho e muitos outros amigos, alguns que já nem vejo mais, que talvez me faltem agora.

Foi a Poesia que me levou à Música. A Música definiu minha vida, minha família. A Poesia e a Música me levaram ao Teatro, quando reencontrei aquela autoconfiança para virar dramaturgo, e escrever duas peças musicais em 1987 e 1988. Eu que nunca tinha ido ao palco a não ser para cantar, em festivais e missas, ou para falar poesia, ingressando sei lá como no movimento das "performances" poéticas que rolava por Niterói naquela época, em bares já falecidos como o Studio 13. Certa vez, tive que ir até o bairro Paraíso, em São Gonçalo, resgatar o original de uma dessas peças, que havia deixado com uma atriz que pretendia encenar. Essa peça, chamada "Sobre o voo", nunca foi montada e o texto chegou a ser dado como perdido. Um dia, publicarei por aqui.

A Poesia, acredite, me levou a Jornalismo. Achei que iria dar conta de ganhar a vida escrevendo, mas como escritor morria de fome e jornalista não, acabei no jornalismo. Hoje, tá difícil para os dois. Foram mais de 30 anos de atividade e, mesmo nos últimos cinco, em que estou na Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, como coordenador de Patrimônio, Acervo e Memória, ainda sou aquele que escreve os releases, faz entrevistas, etc. E minhas séries de textos biográficos são, basicamente, a sequência de uma carreira jornalística no rumo que eu decidi tomar.

A viagem seguiu por Itaboraí, Tanguá, pelos palcos da vida falando poesia eventualmente, atuando e cantando em peças de teatro, escrevendo sempre, e muito, mas com uma frustração interminável por nunca ter escrito um romance. Tentava e não concluía. Um fardo. Uma dor. Até que em 2017, depois de estudar técnicas e processos de escrita por conta própria durante um ano, entrei no desafio Nanowrimo e, no mês de abril, sempre ele, escrevi "No Rastro de Shakespeare", meu primeiro romance, mistura de ficção científica e teatro. Um dia ele também vai chegar por aqui. Depois dele, vieram dois outros, também escritos em dois meses do Nanowrimo em 2020, abril e julho. Na semana passada, soube que o Nanowrimo não vai mais acontecer e que a plataforma será encerrada - mais um que morre nesse longo caminho de 40 anos.

Alguns amigos e parceiros foram ficando pela estrada. Inevitável lembrar de Zeca Palácio, meu maior parceiro no teatro, o diretor que mais encenou minhas peças. Graças a ele surgiu a ideia de produzir o primeiro auto para o Padroeiro de Itaboraí, São João Batista. Eu escrevi em um mês, abril (ele de novo, sempre ele) de 1999. A peça e sua trilha sonora, que eu mesmo interpretei ao vivo em muitas apresentações, no Teatro João Caetano de Itaboraí e na escadaria da histórica Igreja de São João Batista, em Itaboraí. Foram várias montagens e a peça até virou um filme, em 2021, com direção de Tiago Atzevedo, trazendo um bravo elenco de quatro atores que interpretaram mais de 30 personagens: Gabriel Mattos, Wagnera, Gleyna Gleyce e Margarete Borba.

A Poesia também me levou ao concurso Banco de Talentos de 2007, da Febraban, e coube a um dos meus sonetos - companheiros de sempre - o encerramento da coletânea feita pelo projeto. Está lá "Eu e você no quadro", que cita Monet mas é claramente surrealista. E o capítulo mais recente dessa minha viagem conduzido pela Poesia foi a volta aos saraus. Aí surgem outros parceiros, Pedro Garrido, organizador do Sarau (Uni)versos Livres, que eu ajudo a produzir todo mês na Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, desde 2023, e Zé Salvador, o grande escritor e divulgador do Cordel que, como ele mesmo diz, "despertou" meu lado cordelista. Junto com eles, uma legião de amigos, que poderia citar um a um aqui e a quem agradeço sempre. 

A viagem ainda vai longe. O site em que você lê essas linhas, com quase 20 anos no ar, já esteve por um triz para ser deletado. Nem sempre me convenço da relevância da internet, essa terra de ninguém, sem ética e sem regras. Mas é aqui onde publiquei alguns livros, já que não foi possível ainda publicá-los de forma física. Isso virá, em breve, pois não quero deixar um baú de textos empacotados, que apenas viajaram, mas nunca desembarcaram. Há muito para publicar e, neste mês de abril, estou me sentindo vivo, criativo, produtivo, cheio de coragem. Mais do que isso, não posso pedir.

 

Publicado por William Mendonça
em 05/04/2025 às 12h00