Não é incomum me perguntarem o porquê dos meus sonetos sem rima. Então, para não ser chato ou omisso, vamos lá responder o que pode parecer aleatório, mas não é. Não escrevo sonetos com rima porque, atualmente, não gosto de fazê-los e, sendo minha a poesia, não costumo fazer o que não gosto de fazer. É decisão criativa, que rompo eventualmente quando a rima se impõe e pede passagem.
Aqui cabe uma explicação. Antes de escrever meu primeiro soneto sem rima, acredito que tenha escrito mais de 300 rimados, aprendendo e exercitando a métrica, brincando com a musicalidade e, sempre, buscando uma forma própria de expressão. Reconheço em grandes autores a força da rima e até em muitos dos meus sonetos à moda clássica também.
Dos meus primeiros sonetos, como quase todos poetas fazemos, há várias emulações do estilo desse ou daquele poeta. É natural seguir alguns modelos, buscar a segurança quando se está aprendendo. Mas, longe da angústia da influência, que ocupou a mente brilhante de Harold Bloom, eu sempre quis honrar as influências, cita-las, deixa-las claras e explícitas.
No entanto, a rima começou a me cansar. Mais do que a métrica, a rima sempre me pareceu um limitador quase violento, obrigando a uma musicalidade óbvia, como uma cantiga de crianças. Por mais que o poeta se dedique a fugir das rimas pobres, dos cacófatos ou das obviedades mais marcantes, o jogo parece sempre ter as mesmas peças.
Comecei a brincar com a sonoridade interna dos versos, vez por outra imitando algum mestre, como Shakespeare, Jorge de Lima ou Neruda. Minha verve meio filosófica, com um tempero do surrealismo e do impressionismo, acabou afinando o discurso nesses sonetos sem rima. Hoje, eles surgem. O tema se impõe, a vontade de dizer brota, e escrevo. Simples assim.
É claro que há aqueles puristas, plasmados na sepultura de Petrarca, que não consideram soneto a composição sem rimas. Tive uma polêmica dessas nos meus primeiros dias de Recanto das Letras e cheguei a ser perseguido por um estranho grupo de escritores portugueses, uma espécie de irmandade sinistra dos herdeiros de Camões, com seus conceitos quase medievais, o que me levou a moderar os comentários no meu site. Na época, criticaram meus textos, mas acho que não gostaram da resposta. Daí aos ataques xenófobos foi um pulo. Enfim, polêmica sempre haverá.
Engraçado é que muitos desses poetas puristas, intencionalmente ou não, desrespeitam a métrica, com versos de tamanhos variados. Não me arrisco a dizer que não sabem fazer a métrica de forma correta, como muitos me abordam a respeito da rima. Ou são os mesmos que fazem textos sem a menor poesia (por mais abstrato que o conceito seja), quase uma bula de remédios ou nota de rodapé, em formato de soneto. Aqueles que realmente sabem fazer os sonetos clássicos geralmente acham minha opção por escrever sem rima um “desperdício”, mas respeitam. Uma opinião que também respeito. No entanto, o artista é soberano em seu campo de ação, é ele quem define o que faz e como faz.
A despeito de tudo isso, em pleno século 21, não podemos considerar um grande arroubo modernista fazer sonetos sem rima. Tantos já fizeram que hoje nem é lá uma grande prova de rebeldia. É um recurso estético. Releio o que faço e, como ainda me agrada, continuo fazendo e mantenho no ar. Sem buscar reconhecimento. Sem querer me esconder. Publico porque é de minha autoria, e deixo à disposição de quem quiser ler. Goste ou não.
Publico o link para um dos meus sonetos da fase inicial, em que a rima sempre estava presente, datado de 1986 - um soneto de quatro rimas, com decassílabos heroicos, com um tema que sempre me impressionou e me tocou. Não retiro dele uma única palavra, 37 anos depois. E que sirva de alerta. Clique, leia e comente.