William Mendonça
POESIA, PROSA, MÚSICA E TEATRO
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VIAJANTE NOTURNO

   Qualquer hora e lugar seriam melhores do que aqui e agora. Deus! Tantos postos e oficinas nesta droga de estrada e eu fui enguiçar justo a cinco quilômetros do mais próximo. Merda de noite fria! Não chego a Londrina sábado de jeito nenhum.
   Bom, até que não está tudo tão mal. Faltam só duas horas para amanhecer - só que não agüento mais ficar sozinho nesta porcaria de carro!
   Lua cheia ... Ah, vale a pena dar uma olhadinha ... Afinal, aqui dentro está tão frio quanto lá fora.


   Pelo menos o capô do carro serve para alguma coisa - dá pra deitar e observar as estrelas. Com elas por aqui não me sinto tão sozinho.
   É. Esta poeirinha sem importância chamada Terra não pode ser a única que teve o desprazer de hospedar seres tão complicados como nós nesse "universão" tão grande. Pô, será que é só eu ficar sozinho que começo a falar que nem mineiro? Pareço minha mãe!
   Quem sabe aquela estrela ali é o sol que ilumina um planeta povoado de seres verdes, com rabos pontudos, cara de répteis e armas laser ... Êpa! Tô começando a viajar demais ...
   - Precisa de ajuda, amigo?
   O quê? Quem são esses três esquisitos? É, rapaz, eu tô precisando sim! Este carro deu um problema que eu não identifiquei ainda.
   - Não se preocupe. Eu entendo de máquinas e acredito que poderei ajudá-lo.
   Ah!, Faça-me o favor, então, companheiro. Eu já tô mofando aqui nesta estrada há três horas. Isso, aqui é que é abre! E aí, alguma idéia do que pifou nessa geringonça?
   - É um problema simples, amigo. Não vai demorar.
   Vocês moram por aqui? Ah, claro que devem morar, para estarem andando a essa hora nesta estrada ...
   - Não. Nós somos viajantes. Andarilhos. Estamos conhecendo o mundo.
   Mas vocês não descansam nem à noite? - Esquece, esquece, é melhor eu parar de falar, senão vou atrapalhar o trabalho.
   - De maneira nenhuma. Gostamos de conversar com novas pessoas.
Não tô reconhecendo o seu sotaque. Você não é brasileiro, certo?
   - Somos estrangeiros. De nós, somente eu falo a sua língua. Mas eles compreendem o que você diz.
   Bom, bom! Olhem, eu tenho ainda um pouco de café na térmica e uns sanduíches. Se vocês quiserem ...
   - Agradeceríamos, se não der trabalho.
   Que isso! É o mínimo que posso fazer ...Peraí, tá difícil de pegar essa sacola. Meu Deus, que pessoal estranho. O cara parece índio, com aquele cabelo preto-liso. Pena que neste escuro não dê pra ver se a pele dele é meio avermelhada. Ah!, Estão aqui os sanduíches. Chegando o lanche, gente!
   - Seu veículo já deve funcionar, amigo. Pode testá-lo.
   Ei! Não é que o cara sabe mesmo consertar esta joça. Dava pra ganhar uma grana com isso! Aí, meu irmão, muito obrigado mesmo, hein! Grande força que você deu. Eu pensei que fosse ter que andar cinco quilômetros.
   - Nós já andamos muito mais que isso. É bom poder para um pouco, ajudar alguém, e comer alguma coisa.
   Legal! Não querem uma carona? Levo vocês até Londrina. é para lá que eu vou.
   - Tudo bem, amigo. Nós iremos com você.
   É! Eles são meio caladões. Não conversam nem entre eles. Mas parecem boa gente, isso é verdade ...
   - Você observava estrelas quando chegamos, não é verdade?
   Sim, deu para perceber, é!? Também, eu tava falando sozinho ... Mas sabe, eu gosto muito de ficar olhando o céu e pensando se há vida como a nossa em outro ponto dele.
   - E você tem alguma dúvida?
   Ih! São mais loucos do que eu pensava ... Mas claro que tenho dúvidas, afinal eu nunca vi um disco voador, não vivo esbarrando em ETs pelas esquinas ... Nem de filmes de ficção eu gosto.
   - E como você pode acreditar no seu Deus imaginando que ele poderia ser egoísta a ponto de semear vida inteligente em apenas um lugar, e justamente neste pequeno planeta, com todo um universo morto ao seu redor?
   Taí, gostei! Nunca tinha encarado a coisa dessa maneira. Você, pelo visto, não tem a menor dúvida ...
   - Nenhuma! Os caminhantes noturnos acabam fazendo das estrelas suas melhores amigas.
   Aprendi bem isto nesta noite. São boas amigas, realmente ...
   - Por favor, você pode nos deixar aqui mesmo.
   Mas por quê? Daqui a pouco vai amanhecer, e Londrina ainda está muito longe para ir a pé ...
   - Precisamos ir!
   Tudo bem! Vocês é que sabem, mas quando precisarem de mim, aí pela estrada, podem contar.
   - Sabemos disso. Obrigado!
   Pô! Mas esses caras vão mesmo sair andando por aí, a esta hora. São loucos! Ei! Antes de vocês irem embora, me diga - de onde vocês vêm?
   - De todo lugar... A nossa casa é a mesma de onde você saiu.
   O quê? Peraí, por que ele tá apontando pro céu. Não vai me dizer que vocês são ETs? Êpa! Que luz é essa!?
   - Você nunca duvidou ... A solidão não faz o menor sentido!


   Sumiram!
   Meu Deus, que noite!


(Parte do livro "Viajante Noturno", de William Mendonça, disponível para download gratuito no site. Direitos reservados.)
 
William Mendonça
Enviado por William Mendonça em 26/01/2008
Alterado em 17/05/2021
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